No seu discurso de tomada de posse como Presidente do Conselho de Ministros, em 26 de Setembro de 1968, Marcello Caetano disse: “Os homens de génio aparecem esporadicamente, às vezes com intervalo de séculos…” E continuava, “o País habituou-se durante largo período a ser conduzido por um homem de génio. De hoje por diante tem de adaptar-se ao governo de homens como os outros.” Nos 54 anos da morte de António de Oliveira Salazar. (Vimieiro, 28 de Abril de 1889 — Lisboa, 27 de Julho de 1970).
Não sabemos ao certo qual o grau de sinceridade com que o Professor Marcello Caetano (que cedo se autoconstituiu como “delfim” do “velho Mestre”) pronunciou a frase — estimo que elevada — mas certamente não imaginaria quão certeiras as suas palavras se revelariam no futuro, logo relativamente a ele próprio e seus colaboradores, e a médio e longo prazo no descalabro que o país viveu após o 25 de Abril de 1974 e lideranças subsequentes.
É certo que Marcello Caetano também afirmou e cito “a normalidade das instituições assenta nos homens comuns”, o que parece uma afirmação verdadeira e sensata, mas que, pelos vistos no nosso caso português, está longe de servir para funcionar, sobretudo enquanto estivermos sob a tutela de um regime que não é carne nem peixe, abandalhado, baseado na emanação do que sai dos partidos políticos, organizações cujo funcionamento as torna perfeitamente medíocres e desprezíveis.
Constatação, aliás, por várias vezes aludida (e explicada), pelo grande varão português, nascido, no Vimieiro, em 1889.
Salazar falava pouco, mas toda a gente o ouvia (ao contrário do que se passa hoje em dia) e, apesar de poucos entenderem o profundo significado do que dizia, todo o mundo percebia o que ele queria. Ao contrário de Marcello Caetano (que inaugurou as conversas em família, pela TV), que falava de modo a todos o entenderem, mas poucos conseguiam perceber o que ele queria ou para onde ia.
Salazar, se tinha dúvidas, guardava-as para si; Marcello Caetano expunha-as e, não poucas vezes, instalava-as. O caso do futuro do Ultramar foi, a esse nível, o expoente maior e que deitou tudo a perder.
Tal resultava também de uma outra grande diferença com Oliveira Salazar, este pensava na dúvida e actuava com Fé; ora acredito que Marcello Caetano fazia exactamente o contrário: pensava com Fé e actuava na dúvida!
Marcello Caetano apesar destas diferenças (haverá outras) e de não ter a autoridade por todos reconhecida ao antigo militante do Centro Académico da Democracia Cristã e professor de Coimbra, foi um bom português e prestou durante a sua vida política anterior à tomada de posse, relevantes serviços ao país, e foi um notável professor de Direito, historiador e pensador.
Era também um homem de família e de grande integridade pessoal, sem embargo da sua grande susceptibilidade que lhe criou muitas animosidades.
Estava longe de ser o cidadão mediano de que afirmou ao país, que o mesmo se teria de habituar a ter como governantes.
Porém, fez um percurso político do Fascismo Italiano e do Integralismo Lusitano para uma tardia democracia liberal com preocupações sociais. Não tinha, por isso, as convicções profundas do seu antecessor, tão pouco o seu “nervo” servido por uma vontade férrea que disciplinava todo o seu ser, fornecendo-lhe uma autoridade (nunca maculada por qualquer falha de exemplo, por mais pequena que fosse) ímpar e inquestionável.
Deste modo conseguiu o feito imperecível de retirar a Nação da lama, e o Estado da sarjeta, em que se arrastaram após 90 anos de Liberalismo maçónico desregrado e, sobretudo, pelos 16 anos de pavorosa anarquia, política e social, da I República.
Nos 54 anos da morte de Oliveira Salazar
Oliveira Salazar foi um diamante raro que se lapidou a si próprio e nunca procurou o poder, este foi-lhe oferecido: pediram que o assumisse. É, quanto o meu saber alcança, caso único no mundo.
Por tudo isto, ganhou uma auréola de ser o protector de todos e da Nação (“tudo pela Nação, nada contra a Nação”), o porto seguro que todos procuravam. Até de comunistas desde que abandonassem a sua ideologia e práticas malignas…
Este sentimento ficou expresso simbolicamente no filme “O Pátio das Cantigas” em que no meio de uma zaragata típica da Lisboa dos anos 40, Vasco Santana recolhe um grupo de crianças num barracão e diz-lhes: “Podem estar sossegados que aqui não vos acontece mal nenhum”, ao mesmo tempo que a câmara filmava uma tabuleta pendente do tecto, onde se lia a palavra “Salazar”.
E era verdade, Salazar zelava por todos nós, e com isso também nos habituou mal…
Salazar — e com ele o país — contou por vitórias e sucessos tudo o que fez e realizou, apenas com a excepção de não ter conseguido evitar a perda dolorosa das jóias portuguesas de Goa, Damão e Diu, em 1961, às mãos dos bandidos indianos que perpetraram contra Portugal um crime muito pior do que representa a actual invasão ucraniana por parte da Rússia. Muito pior.
A perda desses territórios — que o governo português nunca reconheceu —, até às sequelas vergonhosas que o 25 de Abril de 74 pariu, foi seguramente sentida por ele como a amputação dos próprios membros, quiçá, equiparável à dor pela morte de sua mãe, que venerava e lhe deu o nome e o ser.
Mas o que dói mais é constatar que a mediocridade que passou a enformar a política portuguesa (e que refaz a história a seu bel-modo) — duvido até que estes sejam “os homens como os outros” de que falava Marcello (como ele se deve ter arrependido mais tarde, no Brasil, daquilo que não fez no dia 24 de Abril…) —, tenha transformado Salazar num ser odioso e culpado de todos os males do País, sobretudo dos que eles próprios causaram. E continuam a denegrir a sua figura, passando para as novas gerações um conjunto infame de mentiras. Tudo se passando com a passividade bovina da maioria da população, cuja ignorância e cobardia tem sido assombrosa.
Coitados destes políticos (que fazem a cabeça às pessoas através da comunicação social), não chegam ao pó que ele tinha nas “botas”, nem em inteligência, nem em cultura, nem em moral, ética, competência, honestidade, tão pouco em patriotismo, muito menos na boa ou recta intenção com que fazia as coisas.
Ter ganho, apesar disto tudo, em concurso televisivo, manipulado contra si, sobre quem seria o melhor português de todos os tempos é, quanto a nós, expressivo mas inadequado, pois tal é de difícil ou impossível quantificação. Felizmente a história nacional regista muitos portugueses notáveis (e outros muito maus, graças a Deus!) e não faz grande sentido estar a ordená-los (e sob que parâmetros?).
Salazar não tinha ilusões sobre este mundo, nem sobre as coisas, e sobretudo, sobre os homens. Nunca procurou honrarias e contentava-se com uma vida modesta.
Agora parece ser da maior e elementar justiça, humana, política, social e histórica — e até por uma questão de redenção nacional — atribuir ao Professor Doutor António de Oliveira Salazar, que jaz humilde, por vontade própria, em campa modesta e rasa, o título de “Benemérito da Pátria Portuguesa”.
Ele sem dúvida que o merece e todos nós devíamos esforçar-nos por o merecer.
Brandão Ferreira
Tenente-Coronel Piloto Aviador (Ref.)