1. Há momentos em que é a questão de Princípio ou os Valores Civilizacionais, que nos levam a tomar posição. Porém, hoje é a experiência de quem trabalha diariamente com leis, com tribunais e pessoas concretas que sofrem com algumas leis (que infelizmente se têm feito) que nos leva a escrever sobre a Lei da Eutanásia poucos dias antes de subir de novo a plenário da Assembleia da República. Deixo um desejo — que cada deputado procure ler a Proposta de Lei com “olhos de jurista” ou que, não sendo jurista, peça ajuda a quem o seja.
2. É lamentável e indigno o texto apresentado para votação, pelas palavras dúbias, as contradições, as falsas expectativas, os conceitos vagos e abertos, os lugares comuns, os deslizes e os muitos erros que contém. Não estamos a falar de uma lei para gerir património ou o Código da Estrada. Estamos a falar de uma lei para matar pessoas. Vejamos, alguns exemplos.
3. A Lei prevê a Eutanásia para doente com lesão definitiva, de gravidade extrema (por ex., amputação de uma perna ou uma artrose) e que cause sofrimento intolerável. Basta alegar este sofrimento? Médica e juridicamente como medir com seriedade “o extremo”? O que é intolerável?
Vamos matar pessoas que não têm uma perna ou sofrem de osteoartrose? As doenças mentais também estão previstas? Quem decide?
4. É uma Lei que permite requerer a Eutanásia, vezes sem conta. Isto é, alguém supõe que está em condições para requerer a Eutanásia e inicia o processo. No decorrer deste verifica-se que a pessoa não está na plenitude das suas capacidades, e o processo é arquivado. Nos termos da Lei, no dia seguinte a pessoa pode pedir, de novo, a Eutanásia? Mantém-se a situação. Quantas vezes o pode pedir? Com que intervalo de tempo?
Como se trata (no dizer dos feitores da Lei) de Direitos Fundamentais, não pode ser a regulamentação que venha a ser feita, a restringir o número de vezes do pedido. Aliás, é muito fácil dizer perante os erros da Lei, que com a regulamentação tudo ficará melhor e mais claro. Quantos conflitos jurídicos intermináveis?
5. A Lei da Eutanásia impõe ao médico que seja objector de consciência, que apresente ao seu doente (ou ao doente que só naquela hora viu) as razões para não praticar o acto. É o doente o julgador do médico? E se o doente não aceitar as razões apresentadas pelo médico? Quantos conflitos?
6. A Lei manda que se chame ao requerente de Eutanásia “doente” desde que este inicia o processo. Que efeitos tem noutras áreas (reforma, etc.) aquela classificação de “doente”?
A Lei não permite, se o “doente” não autorizar, que se avise a família daquele. A família é no nosso ordenamento jurídico fonte de obrigações (alimentos, acolhimento, testes genéticos, etc., etc.). Mas neste gravíssimo caso de pôr fim à vida, é ignorada?
7. A Lei apenas fala em doença incurável e fatal. Ora, pessoas com doenças incuráveis e fatais vivem por muitos anos. Nos países onde se pratica a Eutanásia, exigiu-se inicialmente doença incurável e em fase terminal. Depois evoluíram para esta nova formulação (rampa deslizante) fatal. Todas as doenças podem ser fatais. Todas as doenças podem pôr fim à vida. Aliás, viver já é fatal. E, todos morremos.
8. É isso que queremos? Um conjunto de problemas jurídicos, judiciais e sociais que arrastarão ainda mais os nossos tribunais?
Até quando fazer leis dúbias, sujeitas a interpretações dispares, e incapazes de tutelar e proteger sofrimentos pessoais e sociais que se abrem como chagas no seio das relações humanas?
9. É este o papel do legislador? Está este ao serviço da sociedade? O parlamento serve o Bem-Comum? Ou, serve apenas para preencher as páginas do Diário da República?
Por fim — qual dos senhores deputados garante que a Lei da Eutanásia não será abusivamente usada? Que garantias nos dão? Que controlo existiria? Os especialistas foram ao parlamento dizer NÃO à Eutanásia.
Não será tempo para refletir? E parar!
Isilda Pegado
In Voz da Verdade