Voz camarada e amiga lembrou-me que hoje perfaziam 50 anos que as Forças Armadas Portuguesas efectuaram um “raid” sobre Conakri, capital da República da Guiné — com aquele termo apenso, presumo para se diferenciar da Guiné Portuguesa mais tarde Guiné-Bissau. Como o tempo voa!
Eram cerca da 01h40 da madrugada de um domingo (22/11/70), quando as primeiras tropas do Exército e da Marinha (cerca de 300 homens) (a Força Aérea estava de alerta para apoiar/retaliar se necessário, e atacar 19 objectivos no dia seguinte), a maioria constituída por militares do recrutamento da então província, desembarcaram na capital da ex-colónia francesa, cujo território e governo eram a principal base de apoio do PAIGC — Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde — organização política que combatia a presença política de Portugal em África e pretendia negar a condição de portugueses aos habitantes dos dois territórios.
Esta operação militar, que foi a mais audaciosa em todo o conflito que enfrentámos em três teatros de operações distintos e, eventualmente, desde que Afonso Henriques individualizou o Condado, tinha um objectivo principal e vários secundários.
O objectivo primeiro era o de eliminar o presidente Sekou Touré, o sanguinário ditador comunista que dominava com mão de ferro, a população do território, e substituí-lo e aos seus sequazes no poder, por elementos da oposição, a FNLG, conhecida por “FRONT”. Para tal treinámos e equipámos cerca de 200 elementos dessa organização na ilha de Soga, no Arquipélago dos Bijagós, transportando-os para Conakri na data da operação, a fim de cumprirem as suas tarefas.
Para o bom sucesso do golpe entendeu-se necessário destruir os aviões Mig 17, da Força Aérea da Guiné-Conakri, que se pensava estarem estacionadas no aeroporto da cidade e a ocupação da estação rádio local (bem como a destruição da central eléctrica, o que sucedeu). Atacaram-se também com sucesso duas ou três unidades do Exército e da “Gendarmerie”.
Atacou-se ainda o quartel-general do PAIGC que foi destruído, e mortos alguns elementos. Amílcar Cabral, que também era visado, estava ausente da cidade, informação que se desconhecia.
Cumulativamente pretendia-se destruir as sete lanchas rápidas da classe “Komar”, fornecidas pela URSS, e que constituíam uma forte ameaça para as nossas forças e, ainda, libertar os 26 militares portugueses que estavam prisioneiros do PAIGC, entre os quais se encontrava o sargento António Lobato, que espiava tal pena (apesar de ter tentado fugir duas vezes) há sete anos e meio. E que ainda não fora libertado — apesar de para tal ter sido “subornado” — por se ter mantido fiel ao Juramento de Bandeira, que todos os militares portugueses naturalmente faziam.
O principal objectivo da operação, que foi preparada no maior sigilo, durante meses, falhou, pois o grupo de combate do 2º tenente Benjamim Abreu, destruiu a residência de Sekou Touré e tudo o que mexia, mas este não se encontrava lá, adiando-se assim a justiça divina.
O mesmo já não aconteceu a umas poucas centenas de elementos da sua guarda pessoal que foram despachados directamente para o inferno.
O que correu pior foi a deserção de um pelotão de comandos africanos por acção do tenente Januário (que tinha um irmão no PAIGC e não concordara com a acção; um assunto ainda hoje não completamente esclarecido). Este grupo ficou em Conakri e acabou fuzilado sumariamente.
O comandante do grupo de combate em que estava incluído o tenente Januário, capitão pára-quedista Lopes Morais, prosseguiu com os efectivos que lhe restavam para o aeroporto só para constatar que os “MIGs” não estavam lá, tendo sido removidos uns dias antes para uma base a norte; seguiu para o local da recolha e reembarcou.
O terceiro objectivo que não foi alcançado e tal também comprometeu a jornada, foi a tomada da rádio. O comandante do pelotão para lá destacado, tenente Jamanca, homem que já tinha mostrado o seu valor em combate, não conseguiu por razões várias cumprir a missão que lhe tinha sido confiada e a rádio continuou a emitir.
O destacamento encarregue de destruir as lanchas rápidas, comandado pelo 2º tenente Rebordão de Brito, cumpriu o seu objectivo: todas as lanchas foram destruídas com uma quantidade generosa de granadas e cerca de 15 a 20 elementos das guarnições presentes foram abatidos.
Finalmente a prisão onde se encontravam os prisioneiros portugueses foi assaltada e tomada, libertos todos os militares que lá estavam e postos rapidamente a salvo.
Com o nascer do sol a força portuguesa, que era transportada em duas lanchas de desembarque grande (LDG) e quatro lanchas de fiscalização grande (LFG), levantou ferro, rumo a Bissau. A celeridade com que o fez teve a ver, principalmente, com a possível ameaça aérea que os MIG podiam representar.
Os elementos do “FRONT” ficaram em terra, mas não conseguiram os apoios com que contavam e acabaram presos e mortos.
Se tal não tivesse acontecido a guerra na Guiné tinha grandes hipóteses de acelerar a vitória portuguesa, pois tal iria limitar grandemente a capacidade do PAIGC em prosseguir a luta, até porque o Senegal de Senghor nunca foi verdadeiramente inimigo dos portugueses. Tinha era que ceder nas aparências e fazer em parte o jogo da OUA e da gritaria do bloco afro-asiático (comunista) da ONU, contra Portugal.
A não concretização do principal objectivo fez o Governo de Lisboa sofrer vários ataques políticos e diplomáticos, nada a que já não estivesse habituado, mas fez a URSS ganhar uma base naval em Conakry, o que seguramente não foi do agrado da NATO.
A principal razão da falta de êxito nalguns dos objectivos prende-se com deficiências nos serviços de informações, um “calcanhar de Aquiles” recorrente na nossa organização militar. De facto, os recursos e organização/articulação dos meios militares e da PIDE/DGS, eram muito limitados.
Calcula-se que tenham sido causados cerca de 500 mortos nas forças de Sekou Touré, havendo a lamentar dois mortos, dois feridos graves e dois ligeiros, nas forças nacionais, além da perda dos homens que acompanharam o tenente Januário, um revês duro de digerir.
Mas só pela libertação dos 28 compatriotas prisioneiros, a “Mar Verde” (assim se chamou a operação), preparada e comandada pelo então capitão-tenente Alpoim Calvão — um militar português da fibra de um Duarte Pacheco Pereira — já valeu a pena e se justificou. Sobretudo pela recuperação do sargento piloto Lobato, um verdadeiro herói nacional, ainda hoje não devidamente reconhecido como tal. O que é lamentável.
Algumas mentes envilecidas, defendem que a operação deve ser considerada, à luz do Direito Internacional, como ilegal. Estão enganados (porque lhes interessa…): a operação foi clandestina mas não ilegal, pois representa um acto de legítima defesa, perante um governo que apoiava deliberadamente quem nos atacava as tropas; violava a fronteira e maltratava as populações que viviam debaixo da bandeira portuguesa, há já vários séculos.
Caramba, como gostaria de ter participado nesta operação!
Glória aos militares portugueses que, em todos os tempos souberam cumprir a sua missão de combatentes de armas na mão!
Abaixo os poltrões.
Brandão Ferreira
Tenente-Coronel Piloto Aviador (Ref.)
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