Sem que ninguém tivesse perguntado nada, sobre a agenda política internacional do primeiro-ministro António Costa, o inusitado anúncio, feito pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em 18 de Maio de 2022, da “feliz coincidência” da visita à Ucrânia do primeiro-ministro, ao mesmo tempo da sua própria visita a Timor-Leste, é um desconchavo irresponsável, inaceitável e indesculpável num chefe de Estado que, por inerência, é o Comandante Supremo das Forças Armadas. Princípios de Segurança Nacional.

Tanto quanto me tem sido possível observar, decorrido mais de dois meses sobre esse incrível episódio, após uns ligeiros “deixa pra lá”, de cansaço e saturação, das tropelias e da personagem, abateu-se sobre a comunicação social portuguesa um pesado e inexplicável silêncio, sobre o assunto.

O exercício dos poderes constitucionalmente atribuídos ao Presidente da República, no âmbito da Defesa Nacional e enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas, expressamente consagrados na Constituição da República (art. 120º) e na Lei de Defesa Nacional (art. 10º), traduzem responsabilidades específicas numa área de importância vital para o Estado português, compreendendo direitos e deveres ali especificados.

Desde 24 de Fevereiro de 2022, a Ucrânia é destruída diariamente pelos bombardeamentos do poder militar russo, com artilharia convencional e mísseis. Apesar de alguma aparente falta de pontaria das suas forças militares, a liderança política da Rússia fez saber, aos quatro ventos, que considera “alvos legítimos” quaisquer carregamentos de armas e munições fornecidos pelo Ocidente à Ucrânia.

Não tendo declarado guerra à Ucrânia e resolvido denominar “operação militar especial” à invasão de um país soberano, a Rússia não declarou guerra à NATO, à União Europeia e a nenhum dos seus países membros. Mas considera legítimos todos os alvos que entender atingir, “à priori” e “à posteriori”, dos ataques que fizer.

O primeiro-ministro de Portugal, poderia ter sido um “alvo legítimo” da artilharia russa. Poderia ter sido vitimado na sequência do anúncio feito pelo distraído, neste caso, mas sempre divertido, Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa.

Soube-se depois que, no mesmo dia 22 de Maio de 2022, em que António Costa esteve em Kiev, o presidente da Polónia, Andrzej Duda, visitou a Ucrânia. Discursou, no respectivo parlamento, apoiando a resistência ucraniana à invasão russa e reforçando a ideia de que apenas o governo de Volodymyr Zelensky deve decidir o futuro do seu sacrificado país.

A coincidência das visitas a Kiev, no mesmo dia, do presidente Andrzej Duda e do primeiro-ministro António Costa, contém uma “pequena” diferença, na óptica dos princípios de segurança nacional e do direito à segurança pessoal de ambos. Enquanto a Polónia reservou a segurança pessoal do seu presidente, não anunciando previamente a visita, Portugal fez o contrário: anunciou alegremente a visita do seu primeiro-ministro. Só faltaram as datas exactas, os itinerários precisos e o programa pormenorizado da visita, da parte de quem, sendo Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, parece não resistir à tentação de ser, também, porta-voz do governo e do primeiro-ministro.

Se este episódio fosse objecto de tratamento chocarreiro, acender-se-nos-ia a memória de Jean-Bédel Bokassa, presidente da República Centro-Africana e autodeclarado Imperador Centro-Africano (1 de Janeiro de 1966 — 20 de Setembro de 1979).

Ao contrário, porém, a questão é de enorme gravidade.

Numa fase da guerra em que se vislumbra o apoio da comunidade internacional ao princípio de que não haverá negociações de paz ucraniano-russas enquanto as forças militares de ocupação não retirarem do território ucraniano ocupado.

Presumindo-se que a referência a “território ucraniano” se refere à configuração territorial da Ucrânia existente em 23 de Fevereiro de 2022, data em que a denominada “operação militar especial” teve início.

Perfilando-se no horizonte o previsível enfraquecimento das forças invasoras russas, o que pode fazer recuar a 2014 as fronteiras da Ucrânia e a possibilidade de restituição, à soberania ucraniana, dos 10.425 mi² em que se situa a península da Crimeia, extensão de terra na costa do norte do Mar Negro.

Tendo em conta, ainda, que a Ucrânia é um dos principais exportadores mundiais de cereais (cerca de 16% da produção mundial de trigo) e que os seus portos no Mar Negro estão bloqueados pelos navios de guerra da Armada russa, o que pode desencadear uma gravíssima crise alimentar mundial, em resposta às sanções impostas pelo Ocidente à Rússia, como avisou o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Andrei Rudenko, citado por agências de notícias da Rússia.

Havendo cada vez mais vozes a prognosticar que a invasão da Ucrânia é, apenas, o prelúdio de uma conflagração mundial, a situação é mesmo muito grave. Grave demais, porque é preciso tirar a limpo as legítimas suspeitas sobre a sanidade mental de Marcelo Rebelo de Sousa, vértice superior do sistema e do regime políticos de Portugal e, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas.

Como diz o povo, “mais vale prevenir, do que remediar”.

A situação é grave. Grave demais para se ficar de sorriso alarve, a assistir ao desfile de piadas chocarreiras, à portuguesa, do tipo: “Marcelo, o “traquinas” que toca à campainha e foge”; “Marcelo fala demais, Sócrates de menos”; “Marcelo e o país das maravilhas”, etc., etc., etc.

Esse tipo de humor tem o seu lugar no “teatro de revista”.  Mas a vida política portuguesa não pode confundir-se com a “revista à portuguesa”. Nem Portugal é um Parque Mayer com 92.226 km² onde actuam dez milhões de actores e figurantes e um “compère” que anima Belém, nada em Cascais e faz “selfies” por todo o lado.

Marcelo Rebelo de Sousa é, sem dúvida, um indivíduo genial!

Abençoados os pais que o tiveram. A ele e a seus dois irmãos. António Jorge e Pedro Miguel. No ano em que o mais velho concluía o 7º ano do liceu e o mais novo entrara para o 1º, os nomes dos três foram inscritos no Quadro de Honra do Liceu Pedro Nunes!

Princípios de Segurança Nacional e direitos de segurança pessoal

A Psicologia, porém, admite que a fronteira que separa a genialidade e a loucura, em certas situações, atenua-se e, noutros casos, desaparece.

O Matemático John Forbes Nash (1928-2015) Prémio Nobel de Economia, em 1994, era um génio e havia sido diagnosticado com esquizofrenia paranóica em 1959. Acreditava convictamente que os “aliens” o recrutaram para salvar o mundo. E afirmava: “As minhas ideias sobrenaturais vieram da mesma maneira que as matemáticas. Por isso, decidi levar as duas igualmente a sério”. Morreu, aos 86 anos, juntamente com sua mulher, Alícia Nash, com 82, num acidente do táxi em que seguiam, em Princeton, New Jersey, Estados Unidos da América. Mas Nash nunca foi presidente do seu país… Nem Comandante Supremo das Forças Armadas americanas… Um filme biográfico, de 2001, denominado “A Beatiful Mind”, traduzido para “Uma Mente Brilhante”, talvez possa ser visto na net.

Vincent Van Gogh, Virginia Woolf, Ernest Hemingway, Salvador Dali, eram indivíduos geniais. Todavia padeciam de doenças do foro psicológico. Eles, também, não presidiram ao destino dos seus países, nem detiveram o Comando Supremo das respectivas Forças Armadas…

Durante algum tempo pensou-se que a criatividade estava estritamente relacionada com as psicopatologias. E persiste um sentimento generalizado de que a genialidade tem uma relação forte com a loucura.

De momento, parece-me fastidioso enumerar “factos políticos”, de que fui tendo conhecimento e são geralmente conhecidos pela opinião pública portuguesa octogenária, sobre a actividade política de Marcelo Rebelo de Sousa, desde jovem estudante. Eles podem indiciar algo de anómalo na acção político-corportamental do Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas portuguesas.

A recordação desses comportamentos trazem-me: desde sonoras gargalhadas juvenis, ecoando pelas ruas de Lisboa, enquanto habitantes desorientados, de prédios inteiros, não sabiam o que fazer, para pôr termo a intermináveis “campainhadas”; até ao desconforto silencioso do Dr. António Costa, imaginando-se alvo da artilharia russa, durante todo o tempo da viagem à Ucrânia, até chegar a Kiev, e, na noite de Santo António de Lisboa, o insólito beijo, no ventre de uma jovem grávida…

Salvou-se o primeiro-ministro de tal desgraça, mas nada nos garante que o país se possa salvar de outras, com a mesma origem, até ao final do segundo mandato de Marcelo Rebelo de Sousa na Presidência da República. Quatro anos, mais coisa, menos coisa…

A Lei Orgânica do Tribunal Constitucional regula, nos seus artigos 86º a 91º, os processos relativos à morte, impossibilidade física permanente, impedimento temporário, perda de cargo e destituição do Presidente da República. São protagonistas principais, nessas situações, o Procurador-Geral da República (arts. 86º, nºs 1 e 2); o Presidente da Assembleia da República (art. 86º, nº 3); e o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (art. 86º, nº 4).

A Constituição, todavia, prevendo a impossibilidade física permanente, para a destituição do Presidente da República, não prevê a impossibilidade psíquica do mesmo. Entre os constituintes de 1976, salvo talvez o actual Presidente da República, ninguém terá previsto a ascensão àquele cargo de um génio. Génio com surtos da mesma natureza daquele que Marcelo Rebelo de Sousa protagonizou em 18 de Maio de 2022, anunciando ao Mundo e, principalmente, à Rússia, a visita do Dr. António Costa, primeiro-ministro de Portugal, a Kiev, capital da Ucrânia.

A iniciativa, conferida ao Presidente da Assembleia da República, de promover junto do Tribunal Constitucional, o processo relativo à perda do cargo de Presidente da República, cinge-se à ausência deste do território nacional, sem o assentimento da mesma Assembleia (nº 3 do art. 129º da Constituição).

A Constituição prevê a responsabilidade criminal do Presidente da República, por crimes praticados no exercício das suas funções (art. 130º, nº 1), cuja iniciativa do processo cabe à Assembleia da República, mediante proposta de um quinto e deliberação aprovada por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções (art. 130º, nº 2) e a destituição do cargo (art. 130º, nº 3).

Não sendo previsível a renúncia ao mandato pelo Presidente da República, nos termos do art. 131º da Constituição, nem a interpretação extensiva do nº 1 do art. 86º pela Procuradora-Geral da República nem, ainda, uma dinâmica geradora de uma maioria de dois terços dos deputados na Assembleia da República, a Instituição Presidente da República pode estar em perigo.

Uma ameaça, com gravidade imprevisível, de perturbar Portugal!

Jorge Morbey
Antigo Conselheiro Cultural nas Embaixadas de Portugal em Pequim e Bangkok

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