Morreu o Tenente-Coronel Marcelino da Mata, Comando da Província Ultramarina da Guiné, herói da Torre e Espada, Valor, Lealdade e Mérito (1969) e o militar mais condecorado das Forças Armadas Portuguesas com Medalha de Cruz de Guerra de 2ª classe (1966), Medalha de Cruz de Guerra de 1ª classe (1967), duas Medalhas de Cruz de Guerra de 1ª classe (1971 e 1973) e outra Medalha de Cruz de Guerra de 3ª classe (1973).

Depois da Guerra do Ultramar, o Tenente-Coronel Marcelino da Mata foi preso injustamente e torturado pelos que se auto-proclamavam pela liberdade e democracia. O mais bravo militar da História recente de Portugal viveu o resto da vida com uma reforma miserável e foi votado ao esquecimento.

Dai-lhe Senhor o eterno descanso. Entre os esplendores da luz perpétua. Que a sua alma descanse em Paz. Ámen.

Fica aqui o relato da prisão e tortura do Tenente-Coronel Marcelino da Mata, escrito pelo próprio:

No dia 17/5/75, quando me encontrava em Queluz Ocidental, ouvi pela rádio ser comunicado que me encontrava preso, no RALIS. Perante tal absurdo, dirigi-me ao Regimento de Comandos na Amadora, Unidade onde estava colocado, e falei com o oficial de serviço, capitão Ribeiro da Fonseca, ao qual contei o que acabara de ouvir e pedi que esclarecesse a situação.

O capitão Ribeiro da Fonseca, na minha presença, telefonou para o RALIS e falou com o tenente-coronel Leal de Almeida, tendo o mesmo respondido que me deviam levar imediatamente escoltado para esta Unidade. Telefonou ainda o capitão Fonseca para o COPCON falando directamente com o brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho, o qual confirmou que me devia entregar ao RALIS pois estavam concentradas todas as operações nesta Unidade. Foi assim que escoltado por um tenente Comando e duas praças fui levado para o RALIS. Uma vez chegado à Unidade referida e enquanto o tenente que me escoltava se dirigia ao oficial de serviço, aproximou-se de mim um furriel armado que me disse ter ordens para me levar para a casa da guarda e manter-me aí incomunicável. Apareceu entretanto um aspirante que me levou para uma sala do edifício do Comando onde permaneci sozinho até às 24h00.

Apareceu depois das 24h00 um indivíduo alto, forte e de cabelo e barba compridos que, intitulando-se segundo comandante do RALIS, mas que depois vim a saber que se tratava de um militante do MRPP conhecido por “Ribeiro”, me estendeu um papel para aí eu escrever tudo o que sabia sobre o ELP.

Mais tarde apareceu um aspirante e um furriel chamado Duarte e o capitão Quinhones que tornaram a fazer a mesma pergunta. Uma vez que jamais tinha ligação com o ELP ou qualquer outra organização, respondi-lhe negativamente. Entrou então o capitão Quinhones Magalhães, disse-me que me ia fazer o mesmo que se fazia na Guiné aos “turras” quando não queriam falar e puxou do seu cinturão no que foi secundado pelo furriel Duarte. Saiu o capitão Quinhones e regressou acompanhado de outro indivíduo, baixo e forte, que também vim a saber ser do MRPP e conhecido por “Jorge”, e mais outro furriel, aos quais o capitão Quinhones ordenou que me fossem batendo à bruta até que eu confessasse. Apareceu então o tenente-coronel Leal de Almeida que me disse que os pretos só falavam quando levavam porrada e eram torturados e que não tinha outra solução senão ordenar que me fizessem isso.

Ordenou o capitão Quinhones que me encostassem à parede e despisse a camisa, o que tive de fazer. Após isto, fui agredido sete vezes com uma cadeira de ferro nas costas o que me provocou vários ferimentos. Não resistindo caí, mas o capitão Quinhones disse que me pusesse de joelhos e um outro indivíduo que entrou, intitulando-se oficial de marinha agrediu-me mais duas vezes com a cadeira. Após isto o capitão Quinhones e o furriel Duarte, um de cada lado, agrediram-me com o cinturão por todo o corpo, e eu, que já sentia dores na coluna, senti dores nas costelas e caí novamente no chão.

O capitão Quinhones ria-se e dizia que o tenente-coronel Leal de Almeida queria que eu falasse nem que eu ficasse todo partido e que ele ia mesmo fazer-me falar.

Passados uns momentos, quando me encontrava novamente sentado, e como fizesse tenção de reagir às agressões, algemaram-me e perguntaram-me se eu conhecia uns indivíduos, os quais haviam entrado mais ou menos quando me começaram a agredir com a cadeira de ferro. Como eu disse que conhecia alguns deles e outros não foram-me dizendo os nomes apontando para eles e enunciaram um Coelho da Silva, um doutor Maurício, que não conhecia, e o João Vaz, Alvarenga Augusto Fernandes (Batican) e o Artur, todos africanos, os quais já conhecia da Guiné. Então o capitão Quinhones ordenou ao tal “Jorge” que pegasse num fio eléctrico e me torturasse, tendo-me este dado choques nos ouvidos, sexo e no nariz. Pela terceira vez que me fizeram isto desmaiei, pois não aguentei.

Quando recuperei tornaram, o capitão Quinhones e o furriel Duarte, a agredir-me com os cinturões e a cadeira de ferro, sentindo eu nessa altura que devia estar com fractura da coluna e costelas e tinha vários ferimentos grandes em todo o corpo. Mais uma vez não aguentei e desmaiei.

Ao recuperar os sentidos encontrava-me todo molhado e ensanguentado, não tinha movimentos nas pernas e quase não podia respirar além de fortes dores por todo o corpo.

Por volta das 06h00 do dia 18 trouxeram para junto de mim e dos outros indivíduos que estavam ali presos e já mencionados, o Fernando Figueiredo Roda, também da Guiné, o qual agrediram com a cadeira de ferro e arrastaram para fora da sala. Entretanto entrou também uma senhora que dizia ser mulher do Coelho da Silva à qual o furriel apalpou as nádegas e seios e outras partes do corpo, frente ao marido. Fui algemado, logo a seguir à entrada da senhora, e conduzido à prisão onde um furriel encheu a cela com água, até ao nível dos tornozelos.

Por volta das 23h00 fui retirado da prisão e vi o tenente fuzileiro Corte Real e o ex-tenente fuzileiro Falcão Lucas cá fora, os quais ao ver o meu estado me disseram que a eles também lhes tinham dado um “bom tratamento” mas não tanto como o meu. Fui metido, a seguir, numa chaimite e levado para Caxias onde cheguei já pelas 01h00 ou 02h00 do dia 19/5/75. Chegado a Caxias o capitão-tenente Xavier, que conhecia da Guiné, tratou-me com termos ordinários e obscenos e mandou-me levar para uma cela, apesar de ver o estado em que me encontrava e de me ter queixado e afirmado que necessitava ser assistido clinicamente. Só no dia 21/5/75 e depois de muito insistir com pedidos ao oficial de serviço, aspirante de Marinha, Fernandes, fui levado à enfermaria de Caxias onde me fizeram os primeiros tratamentos, mas quando era necessário ser radiografado faziam-no sempre às zonas do corpo que não eram aquelas de que me queixava.

Permaneci 150 dias em Caxias e só quando fui libertado e colocado com residência fixa consegui ser tratado convenientemente e saber ter tido fractura de duas costelas e da coluna.

Lisboa, 24 de Janeiro de 1976

Marcelino da Mata
Alferes Comando

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